Mónica – “A criança não pertence nem à família, nem ao Estado, mas à sua futura liberdade.”
Hoje foi feriado em Genève. Fomos ao cinema, à sessão das 22h, ver o X-Men 3. Quando cheguei a casa tinha algumas mensagens no MSN (Messenger): da minha mana, do meu primo aniversariante, e da Neuza (colega de Faculdade e no Projecto ReDescobrir*). A minha ex-colega deixou-me uma mensagem que me deixou intrigada e bastante preocupada: ela teve conhecimento de uma notícia da morte de uma criança no Barreiro e parece que era de uma das famílias que eu acompanhei.
Como não tive acesso ao documento sobre o assunto que ela me tentou enviar, pus-me a pesquisar na net. As informações estavam dispersas, um pouco contraditórias, enfim confusas (quase que parecia o trabalho que tive que fazer sobre Inês de Castro, no 8º ano, e em que li uns textos que diziam que ela era loira e outros que defendiam que era morena! Pois séculos mais tarde a imprecisão jornalística continua). Finalmente cheguei a um site** que condensava melhor a informação (o do Correio da Manhã), e aí preto no branco, como eu já vinha a antecipar (pelas peças que ia juntando, sem nunca querer realmente ver a imagem final) estava a notícia: era mesmo uma das “minhas” meninas que tinha sido violentamente assassinada… Uma das crianças cuja família acompanhei durante os quase dois anos em que estive no Projecto.
A família da Mónica tinha começado a ser acompanhada por uma colega da equipa, que eu no início (no estágio) acompanhava nas visitas domiciliárias. Depois, a família passou para a minha responsabilidade. Ao fim de algum tempo, concluímos que esta era uma família difícil de trabalhar, visto que a mãe não tinha intenções de mudar – isto é de deixar de ser tão negligente em relação aos três filhos que estavam ao cuidado dela – e só procurava obter bens materiais e nada de competências a nível parental. Foram feitos relatórios para a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ) do Barreiro, assim como reuniões, relatando a situação das crianças (a primeira sinalização, por parte da minha colega, tinha como criança-alvo o mais novo de apenas 3 meses de idade, na altura, e com 3 anos actualmente). Quando decidimos deixar de acompanhar regularmente a família voltámos a referir a situação à CPCJ, insistindo que era necessária a intervenção de um organismo mais oficial e com mais “peso” – visto que o Projecto não tinha poder executivo/deliberativo (em relação à custódia das crianças) e actuava em conjunto com as famílias, desde que elas o aceitassem. No tempo que continuamos a observar à distância, indirectamente, informalmente, soubemos que nada continuava a ser feito por parte das entidades competentes e devidamente avisadas/notificadas. A comprová-lo está a afirmação da CPCJ, no site, que refere que nem sabiam que a criança tinha ido para uma instituição.
No tempo que estive no Projecto, aprendi que havia uma hierarquia – os casos que considerássemos mais preocupantes (a maior parte dos que tivemos) deviam ser sinalizados à CPCJ. Por sua vez, a CPCJ faz a avaliação e decide se o caso deve ou não seguir para Tribunal, visto que é esta a entidade que pode decidir se a criança deve ou não permanecer na família. De nada valia ir directamente a Tribunal, pois os casos que chegam a Tribunal têm de passar pelas CPCJs. A ideia de tornar os processos mais céleres – através destas “comissões de triagem” – vai por água abaixo quando não existem técnicos suficientes para os numerosos casos e situações, não permitindo avaliações cuidadas das situações (ou mesmo só avaliações, nem que seja uma visita domiciliária).
Ainda ontem (aliás, a esta hora, já é anteontem) me perguntaram o que me tinha feito vir para a Suiça e passar da área clínica e de intervenção comunitária para a investigação. Entre as várias razões que apresentei, falei no desgaste que sentia ao fim desse tempo (os tais dois anos, durante e após a Faculdade), por me envolver demasiado – isto não se ter um botão on/off para as emoções (ou então eu ter o meu permanentemente avariado), às vezes, arruína um bocado o sistema.
A verdade é que continuo com saudades dos “meus” meninos e meninas… E há alturas que custam mais a gerir do que outras… Agora está a ser uma delas (o adiantado da hora e a incapacidade em dormir atestam isso). No entanto, como eu defendo, ter saudades é algo que, no fundo, é bom: significa que se tem recordações positivas de algo ou alguém… Como por exemplo eu tenho do último abraço que a Mónica me deu…
*Projecto ReDescobrir: teve a duração de três anos (de Junho 2002 a Junho 2005), sediado na Associação NÓS, no Barreiro. O objectivo era intervir com famílias de crianças em risco, de modo a dotar as famílias com mais competências para lidarem mais eficazmente com as suas crianças. Talvez as seguintes frases ilustrem o que quero expressar: “Não é fácil ser mãe ou pai, exige trabalho, tempo, dedicação e amor… e para não falharem, de vez em quando, precisam de auxílio.” (Guimarães, 2001); “Trabalhar com as famílias de modo a que as crianças possam permanecer nestas e não serem institucionalizadas; trabalhando sempre no melhor interesse da criança e da sua segurança.” (folheto do ReDescobrir). A ideia fundamental era actuar antes que o Tribunal interviesse com medidas de retirada das crianças. Se uma criança é retirada da família por maus-tratos ou negligência e nada se trabalha com essa família, daí a pouco tempo eles têm outra criança, que vai ser novamente retirada, e assim sucessivamente. Claro que esta era a ideia quando os casos se apresentassem como operacionais e quando o nível de maus-tratos/abuso/negligência não afectasse a integridade física e/ou sexual da criança.
** http://www.correiomanha.pt/noticia.asp?id=201820&idselect=10&idCanal=10&p=200
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